Estudos sobre Feminicidio


                                                              I. 

Caracterização da violência sexual em mulheres atendidas no projeto Maria-Maria em Teresina-PI



Characterization of sexual violence against women in the Maria-Maria project in Teresina, PI
Ione Maria Ribeiro Soares LopesI, II; Keila R. O. GomesI; Benedito Borges da SilvaI,II; Maria Castelo Branco R. de DeusIII; Elisa Rosa de C. G. Nunes GalvãoI; Danielle Cavalcante BorbaIII
[ICentro de Ciências da Saúde - Universidade Federal do Piauí
IIDepartamento Materno-Infantil da Universidade Federal do Piauí
IIIMaternidade Evangelina Rosa, Projeto Maria-Maria]

RESUMO
OBJETIVO: avaliar as características da violência sexual contra mulheres, os tipos de crimes sexuais e as lesões corporais resultantes.
METODOS: estudo descritivo baseado nas informações de 102 prontuários de vítimas de violência sexual atendidas no Projeto Maria-Maria, de março de 2002 a março de 2003, que atendiam aos critérios de elegibilidade. Foram descritos as características da violência, os tipos de crime e as lesões corporais sofridas. Para tabulação e análise dos dados utilizou-se o programa Epi-Info, versão 6.04, para percentual simples e distribuição de freqüência.
RESULTADOS: a idade das vítimas variou de 1 a 68 anos; 65,7% eram menores de 20 anos e uma em cada quatro tinham até nove anos de idade. A maioria era solteira (78,3%) e com baixa escolaridade (74,2%). O crime predominou no período noturno (64,7%), em local ermo com maior freqüência (39,2%), seguido da residência da vítima (34,3%), e no local da abordagem (67,6%). Entre as vítimas adolescentes predominou perpetrador desconhecido, ao passo que as crianças foram vítimas exclusivamente de homens conhecidos. No caso de crianças menores de dez anos o atentado ao pudor foi o crime mais freqüente (73,8%) e para as adolescentes, o estupro (66,4%). Os traumas corporais ocorreram em 76,7% dos casos, destacando-se os hematomas, edema vulvar e escoriações.
CONCLUSÕES: a violência sexual predominou em crianças e adolescentes, solteiras e com baixa escolaridade. A agressão ocorreu mais à noite, por desconhecidos, em local ermo nas adolescentes e por conhecidos (vizinhos principalmente), nos domicílios, nas crianças. O estupro prevaleceu em maiores de dez anos e o atentado violento ao pudor nas crianças de um a nove anos, habitualmente associados a traumas genitais e corporais.

ABSTRACT
PURPOSE: to evaluate the characteristics of sexual violence against women, the types of sexual crimes and resulting body lesions.
METHODS: descriptive study based on the information obtained from the medical records of 102 victims of sexual violence who were seen at the Maria-Maria project from March 2002 to March 2003 and who fulfilled the eligibility criteria. The characteristics of the violence, the types of crimes and the body injuries are described. For calculation and analysis of the data, the Epi-Info, version 6.04, program, for simple percentages and frequency distribution were used.
RESULTS: ages of the victims ranged from 1 to 68 years, 65.7% were younger than 20 years and one in four was younger than 9 years. The majority were single (78.3%) and with a low educational level (74.2%). The crime predominated at night (64.7%), in a secluded area (39.2%), followed by the victim's home (34.3%), and at the location of the attack (67.6%). Among the adolescent victims, the unknown attacker predominated, while among the children the attackers were men known to the victims. In the case of the children younger than 10 years, indecent assault was the most frequent crime (73.8%) while rape was the most frequent crime among the adolescents (66.4%). Body trauma occurred in 76.7% of the cases, mainly hematomas, vulva edema and abrasions.
CONCLUSION: sexual violence predominated among children and adolescents, single women and with low educational level. The aggression happened more frequently during the night, by an unknown person, in a secluded area, in the case of adolescents, and by a known person (mainly neighbour), in the victim's home, in the case of children. Rape was the most frequent kind of crime among adolescents and among children it was indecent assault, usually associated with genital and corporeal trauma.
Keywords: Sexual violence. Sexual abuse. Rape. Body injuries.

Introdução
A violência sexual (VS) é considerada como qualquer forma de atividade sexual não consentida. Representa sério problema de saúde pública e tem no estupro a pior das formas de agressão que a mulher pode sofrer. As definições utilizadas para conceituar os diferentes tipos de crimes sexuais apresentam dificuldades na adequação quanto aos aspectos médicos, éticos, psicológicos e legais que eles freqüentemente envolvem. Do ponto de vista legal, o conceito de violência sexual varia de acordo com o país, embora a maioria das definições inclua o uso da força física ou de intimação, o contato sexual e o não consentimento da vítima1,2.
As agressões sofridas pela mulher podem comprometer sua vida pessoal, profissional e afetiva, resultando em seqüelas físicas e psicológicas. Quando as vítimas da VS são pré-púberes, pode-se observar lesões anatômicas do tipo ruptu ras perineais, do fundo de saco vaginal e do esfíncter anal, acompanhadas de hemorragias intensas, podendo ocorrer choque hipovolêmico. Pode resultar também em maior risco de gravidez, com a possibilidade de essa adolescente tornar-se prostituta ou usuária de drogas, além de apresentar psicopatias como depressão, doenças psicossomáticas e bulimia nervosa1,3,4.
Se a vítima é adulta, as seqüelas físicas mais citadas são as doenças sexualmente transmissíveis (DST), algias pélvicas crônicas e gestação. Entre as seqüelas psíquicas destacam-se a depressão, tendências suicidas, bulimia e anorexia nervosa1,5-17.
Apesar de ser problema universal, a verdadeira incidência da VS contra a mulher é desconhecida, acreditando-se ocorrer sub-registro em todo o mundo18. Estima-se que cerca de 12 milhões de pessoas por ano sofram alguma forma de violência sexual no mundo. Estudos populacionais realizados em diversos países demonstram que 20% das mulheres revelaram terem sido abusadas sexualmente quando crianças10. Nos Estados Unidos, as taxas variam de 12,9 a 28%, estimando-se que ocorra uma agressão a cada 6,4 minutos8,18.
No Brasil o tema ainda é pouco estudado, sendo estimada taxa de 7% de VS na população geral8. Não existem dados confiáveis da VS no país. O registro em boletins de ocorrência, ponto de partida para a investigação, é muito inferior ao número de agressões pelo fato de que muitas vítimas evitam a exposição pública e a constrangedora coleta de provas do crime realizadas na grande maioria dos casos, no Instituto Médico Legal (IML), instituição pública responsável pela classificação de todos os crimes de abuso sexual e físico.
No Piauí, como na maioria dos estados brasileiros, existe escassez de dados sobre a violência sexual, cuja ocorrência geralmente é registrada em serviços de pronto-socorros e distritos policiais, sendo então encaminhados os casos para a perícia médica do IML. A partir de março de 2002, por iniciativa do Ministério Público e atendendo propostas do Ministério da Saúde ao governo do Estado do Piauí, foi criado em Teresina o Projeto Maria-Maria, instalando-se na Maternidade-Escola D. Evangelina Rosa (MDER). O Projeto Maria-Maria tem por objetivo fornecer às vítimas de qualquer forma de abuso sexual atendimento de forma integrada para que não tenham que recorrer a diferentes instituições, oferecendo suporte médico, psicológico e de assistência social de forma humanizada, no intuito de prevenir possíveis seqüelas.
O ambulatório de atendimento às vítimas de VS funciona diuturnamente e é constituído de equipe multiprofissional composta de um médico perito, um psicólogo, uma ginecologista e uma assistente social.
Esta pesquisa tem por objetivo avaliar as circunstâncias, o tipo de violência sexual e caracterizar as lesões corporais resultantes das agressões sexuais sofridas pelas mulheres atendidas no Projeto Maria-Maria.

Métodos
Realizou-se estudo do tipo transversal, descritivo, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da MDER e da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Foram analisados os prontuários das vítimas de violência sexual atendidas no Projeto Maria-Maria da MDER, no período de março de 2002 a março de 2003.
O grupo amostral constituiu-se de mulheres de qualquer faixa etária, atendidas até cinco dias após a agressão, cujo laudo pericial era compatível com estupro, atentado violento ao pudor ou violência presumida. Foram excluídos os prontuários preenchidos incompletamente ou quando o motivo do atendimento era diverso dos citados.
As variáveis foram organizadas quanto à identificação da vítima, achados do exame físico e caracterização da ocorrência.
Na análise das variáveis consideraram-se os tipos de crimes sexuais mais comumente relatados: o estupro consumado isolado ou associado ao atentado violento ao pudor com sexo anal (AVP anal), tentativa de estupro, AVP anal, AVP com sexo oral e AVP com outros atos libidinosos diferentes do coito vaginal, como manipulação da genitália, mordidas ou sucção das papilas mamárias. Foram avaliados, também, os dados sociodemográficos das vítimas: idade, escolaridade, situação marital e a forma de encaminhamento, se por procura direta, pelo serviço de urgência ou pela delegacia regional. Analisaram-se, ainda, o horário da ocorrência (noturno, matutino, vespertino ou não relatado), o local (residência da vítima ou do agressor, trabalho, local ermo ou outro), o agressor (desconhecido, conhecido e, se familiar, o grau de parentesco) e a utilização de, pelo agressor, pela vítima ou por ambos, de substâncias que induzissem a distúrbios comportamentais. No exame pericial, verificaram-se a ocorrência e o tipo de lesões resultantes da agressão, genitais e/ou extragenitais.
Os crimes foram classificados conforme definição do Código Penal Brasileiro19 vigente em: estupro (artigo 213): constranger a mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça; AVP (artigo 214): constrangimento, nas mesmas condições do estupro, à prática de atos libidinosos diferentes do coito vaginal, incluindo mordidas, sucção dos mamilos ou genitais, manipulação da genitália de forma erótica, coito anal e oral; violência presumida (artigo 224): vítima menor de 14 anos, alienada ou com deficiência física ou mental.
A análise estatística foi realizada pela aplicação dos testes de percentual simples e distribuição de freqüência, utilizando-se o programa Epi-Info, versão 6.01.

Resultados
Dos 182 atendimentos realizados no Projeto Maria-Maria da Maternidade-Escola D. Evangelina Rosa no período estudado, somente 102 atenderam aos critérios de inclusão. As idades das vítimas variaram de 1 a 68 anos, sendo que 18,6% dos casos eram menores de 10 anos e 65,7% tinham até 19 anos. Do total, 78,3% eram solteiras e tinham baixa escolaridade, pois três de cada quatro vítimas não concluíram o primeiro grau (Tabela 1).


A Tabela 2 mostra que o abuso sexual ocorreu predominantemente no período noturno, das 18 às 5 horas (64,7% dos casos) e em local ermo (39,2%), seguida pela ocorrência na residência da vítima (34,3%) e residência do próprio agressor (18,6%). A violência sexual concretizou-se, em 67,6%, no próprio local da abordagem.


O estupro ocorreu isoladamente em 53,9%, sendo que em 6,9% dos casos houve coito anal associado. O estupro associado ao AVP com relação sexual anal predominou na faixa etária de 20 a 29 anos (42,9%). As denúncias de estupro não foram confirmadas por falta de provas materiais (relação sexual prévia e ausência de lesões físicas) em 8,8% dos registros. O AVP foi o crime sexual mais freqüente em crianças de um a nove anos, totalizando 73,8% das violências sofridas.
O agressor único e desconhecido foi encontrado em 84 e 51%, respectivamente, com predomínio na faixa etária das adolescentes. Nas crianças menores de 10 anos, os perpetradores conhecidos predominantes eram os vizinhos.
As lesões físicas decorrentes da agressão sexual ocorreram em 76,7% dos casos, sendo mais freqüente o hematoma genital associado com outras lesões lácero-contusas corporais (23,7%) e escoriações com edema vulvar (22,4%). As lacerações vulvo-vaginais com lesões extragenitais aconteceram em 18,4% dos episódios, associadas ao estupro consumado, ocorrendo com mais freqüência nas adolescentes com integridade himenal (Figura 1).


No que se refere ao uso de drogas pelo agressor no momento do crime sexual, 61,8% não souberam informar, ao passo que 18,6% das vítimas afirmaram que os agressores tinham feito uso de algum tipo de substâncias que induzem a distúrbios comportamentais.

Discussão
Em virtude da elevada incidência e prevalência, como também das repercussões físicas e psicológicas na vida da mulher vítima de VS, esses crimes são considerados problemas de saúde pública e exigem atendimento especializado por equipe interdisciplinar com conhecimentos apropriados de medicina legal e sexologia forense.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou recentemente o Primeiro Relatório Mundial Sobre a Violência e Saúde, analisando os diferentes tipos de violência, inclusive a sexual, explorando a magnitude dos efeitos sociais, culturais e de saúde, os riscos e prevenção que são desenvolvidos. A campanha realizada pela OMS sobre a prevenção da violência (The World Report on Violence and Health) tem abrangência mundial e duração proposta de um ano. A OMS pretende atrair atenção em pesquisas para a prevenção de violência, estimulando ações em níveis local, nacional e internacional10.
A preocupação com a violência sexual está sendo fomentada em diversos países, inclusive no Brasil20. Contudo, a maior parte desses estudos são realizados com metodologia diferente e por meio de questionários diversificados, aplicados em escolas ou por telefone, podendo comprometer os resultados encontrados1,8. É necessário, portanto, ter cautela na interpretação dos resultados, desde os problemas conceituais do tema, que variam nas diferentes culturas, prevalecendo, contudo, o caráter jurídico rígido, a despeito dos aspectos mais subjetivos21.
A violência sexual, apesar de sua importância, ainda é assunto pouco estudado no Brasil, o que pode ser responsável pelo índice de ocorrência divulgado menor que nos EUA (12,9 e 28%, respectivamente)8. Isto leva à reflexão se o incremento de estudos prospectivos nesta área, com a divulgação dos resultados, poderia sensibilizar os segmentos da sociedade responsáveis a desenvolver estratégias de prevenção da violência e suas seqüelas em todas as fases biológicas da mulher.
Neste estudo, a análise do tipo de violência sexual evidenciou sua ocorrência em todas as faixas etárias com predomínio nas adolescentes até 19 anos. Nas crianças, apesar de também ser freqüente o abuso sexual, o tipo de crime mais freqüente foi o AVP22. Estes dados são similares aos encontrados por Drezett et al.18, em que 70,4% das crianças sofreram o AVP nas suas diversas formas. Segundo Putnam1, cerca de 10% das vítimas têm menos de três anos de idade, 28,4% entre quatro e sete anos, enquanto 25,5% estão entre oito e onze anos.
A predominância da violência contra mulheres solteiras e com primeiro grau incompleto pode ser justificada pela maior freqüência da agressão ter ocorrido em crianças e adolescentes.
O agressor único e desconhecido predominou neste estudo. Contudo, quando se analisa a faixa etária das crianças, destacam-se os conhecidos (vizinhos). Isto se deve, provavelmente, ao fato de que os responsáveis pelas vítimas as tenham deixado sozinhas no domicílio, por motivos de trabalho, tornando-as mais vulneráveis a esse tipo de agressão. Na literatura, os dados são controversos em relação ao agressor; alguns estudos mostram que na maioria dos casos um familiar foi o responsável pela agressão sexual13,23,24.
As vítimas não sabiam informar se o agressor estava sob o uso de drogas em 61,8% dos casos, o que pode ser justificado pela situação de terror a que estavam submetidas no momento da VS. Este dado tem sido pouco explorado na literatura; Grossin et al.13 relataram que a análise para verificação do uso de drogas pelos agressores só foi realizada em 14,3% dos casos de violência atendidos em serviços de emergência. Destes, em 47% foi detectada a presença de alguma droga.
Na literatura, os dados são concordantes com os resultados desta pesquisa em relação ao local de ocorrência da agressão sexual18,23. Quando se tratava de criança, o ambiente foi na maioria das vezes familiar, na própria residência da vítima ou do agressor, em decorrência de tratar-se, com mais freqüência, de pessoas familiares ou conhecidas da criança, como também pelo fato de, tendo sua confiança, tornar-se mais fácil o abuso sexual em suas diversas formas, sendo descoberto comumente pela mãe quando encontra lesões físicas ou sinais de DST na genitália da filha. Nas adolescentes o local ermo foi o predominante e o agressor, desconhecido.
Os tipos de lesões corporais resultantes da agressão sexual têm sido pouco relatadas na literatura, provavelmente porque a denúncia foi realizada, em grande parte, após mais de uma semana da ocorrência do crime, o que impossibilita ao perito relatar nas fichas de atendimento. Onostre Guerra23, estudando vítimas de abuso sexual de 3 a 18 anos, encontrou lesões corporais genitais em 44,2% e lesões extragenitais (escoriações, equimoses e fraturas ósseas) em 23,3% dos casos, predominando nas pré-adolescente.. Já Grossin et al.13 verificaram traumas genitais e extragenitais em 35,7 e 39,1%, respectivamente, quando as vítimas eram atendidas até 72 horas depois da VS. Nesta casuística, as lesões físicas aconteceram com maior freqüência em casos de estupro consumado em crianças, adolescentes e adultas, todas com integridade himenal no momento da violência. Isto pode afetar a vida sexual da vítima por constituir fator de risco para infecções ginecológicas e DST, em especial a AIDS13,23,24.
A magnitude e as causas da violência necessitam ser mais estudadas e entendidas para priorizar medidas preventivas, como programas de educação nas escolas para identificar potencial situação de abuso e autodefesa principalmente nas crianças1. Até o momento, observa-se que a quantidade e a qualidade dos dados disponíveis são relativamente pobres em todo o mundo. Outra dificuldade é a comparação dos dados com a literatura internacional, em virtude das diferenças nas definições, metodologia da coleta de dados e legislação existente entre os países.
O número de abusos sexuais de que são vítimas as mulheres, especialmente as crianças, é grande, acreditando-se ainda ser subestimado. Cabe aos serviços públicos ação mínima mais efetiva, promovendo maior divulgação dos locais de atendimento a estas mulheres, integração entre os serviços de saúde, além de campanhas educativas continuadas, alertando os pais para a orientação de suas filhas para que tenham propriedade sobre seus corpos, não deixando pessoas diferentes de seus pais manipularem suas genitálias. A mudança de comportamento da criança, que muitas vezes traduz medo, também deve ser valorizada e pesquisada pela mãe.
Os resultados apresentados permitem concluir neste estudo que a violência sexual foi mais freqüente em mulheres jovens (menores de 19 anos), provavelmente por serem mais vulneráveis, solteiras, cursando o primeiro grau. A agressão ocorreu com mais freqüência à noite, por um agressor, sendo os vizinhos e em locais conhecidos (domicílios) nas crianças, ao passo que nas outras faixas etárias o abuso sexual aconteceu em local ermo por perpetrador desconhecido. O crime sexual predominante foi o estupro nas adolescentes e mulheres adultas ao passo que nas crianças foi o atentado violento ao pudor. Os traumas genitais foram freqüentemente associados à agressão sexual, predominando a ocorrência de escoriações, hiperemia e hematoma vulvar, sendo mais intensos nos casos de estupro consumado.
Diante do número de mulheres vítimas de VS e das evidências de vulnerabilidade de crianças e adolescentes, é imprescindível que a família, a escola e o poder público invistam na segurança e orientações adequadas a este grupo em especial. Que se ofereça às vítimas atendimento especializado, com atenção multidisciplinar, incluindo acompanhamento psicológico pelo tempo que seja necessário à recuperação da vítima.
Agradecimentos
À Maria José Nascimento e Dra. Geracinda M.F. Marques, assistente social e médica perita, respectivamente, do Projeto Maria-Maria pela colaboração na coleta dos dados; ao Prof. João Batista Teles, pelo auxílio na análise estatística; ao Prof. Lauro Lourival Lopes Filho, pelo estímulo e auxílio na discussão do projeto.

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II.
                                          Feminicídio, realidades e tabus

Susana Merino *

  Tradução: ADITAL
  


No resta dúvida de que existe uma taxativa diferença entre, por exemplo, a lapidação de mulheres em alguns países islâmicos e a frequente tortura e morte de mulheres em Ciudad Juárez (México).
A primeira está insolitamente amparada pela lei ou pelo Estado, enquanto que as segundas parecem estar protegidas pelo silêncio cúmplice das autoridades civis e policiais da região.








No entanto, no primeiro caso, nos sentimos horrorizadas pela inqualificável crueldade de um castigo que conduz à morte; e, no outro, a fria menção das cifras. Porém, apesar de que o número de mulheres assassinadas seja consideravelmente maior na fronteira do norte mexicano, o que nos assombra, nos descobrimos quase indiferentes.
Parece que a reiteração de tão inqualificável fenômeno outorga aos seus autores uma espécie de "patente" para o crime e parece também que, ao fazer parte das estatísticas, o horror deixa de golpear nossas consciências. Um assassinato, uma morte próxima, uma vítima identificada nos comovem; porém, os crimes massivos não deixam marcas e até em situações bélicas chegam a ser cinicamente qualificados e aceitos como "danos colaterais".
Diante da condenação por lapidação da iraniana Sakineh Ashtianí e da nigeriana Amina Lawal, a sociedade se mobilizou e centenas de milhares de pessoas em todo o mundo assinaram cartas nas quais pediam, em ambos os casos, e conseguiram a anulação do castigo. Um castigo que, certamente, não está nem aprovado e nem estabelecido pelo Alcorão, mas que tem sua origem na tradição judaico-islâmica e pode ser aplicado também aos homens. Esse tipo de mobilizações aparentemente pintado com certo ranço anti-islâmico não encontra correlato para as múltiplas denúncias mexicanas que atingem a um número crescente de mulheres entre 14 e 25 anos.
Em Ciudad Juárez, cerca da fronteira mexicano-estadunidense, segundo organizações não governamentais, foram executados mais de 350 assassinatos de mulheres e, aproximadamente, 400 desaparições na última década, o que as autoridades, por incompetência ou amedrontadas, costumam qualificar como fruto da violência doméstica.
No entanto, segundo as investigações realizadas pela Anistia Internacional, muitos dos crimes têm suas raízes na discriminação, apesar de que sejam consideradas também outras hipóteses relacionadas ao narcotráfico, ao tráfico de mulheres, ao tráfico de órgãos e aos filmes snuff, um gênero também conhecido como white heat ou the real thing, nos quais as mulheres são torturadas, violentadas e assassinadas com o único objetivo de registrar esses fatos através de algum meio audiovisual para, em seguida, comercializá-los por quantias incalculáveis. Sobre essa última suposição, não foram encontradas provas que possam respaldá-la, apesar de que não parece tão disparatado pensar que em nossa enferma sociedade não existam indivíduos que desfrutem -intelectual ou comercialmente- com esse tipo de produções.
Alguns analistas sustentam também que poderia tratar-se de macabros rituais celebrados com o objetivo de estabelecer a coesão entre membros de grupos mafiosos e selar a pertença ao grupo, por parte dos assassinos, com pactos de sangue.
Segundo a investigadora Rita Laura Segato, "os feminicídios de Ciudad Juárez não são crimes comuns de gênero, mas crimes corporativos e, mais especificamente, são crimes de segundo Estado (...) que administra os recursos, direitos e deveres próprios de um Estado paralelo, estabelecido firmemente na região e com tentáculos nas cabeceiras do país". Porém, o mais alarmante é que esta lacra chegou também ao chamado "triângulo da violência": Guatemala, El Salvador e Honduras, segundo a descrição cunhada pelas Nações Unidas, que alcançou as mais altas taxas de feminicídios da região já não relacionadas com os conflitos armados, que assolaram a esses países em um passado não muito distante. E poderiam continuar estendendo-se.
E se continuamos rumo ao sul, podemos ver que, tampouco, nosso país está isento de um desmedido incremento das consequências que até agora pareciam limitar-se a casos isolados; porém, cada vez mais frequentes do que também aqui se qualifica como produto da violência familiar. As mortes de mulheres queimadas com álcool ou com benzina em "acidentes domésticos" que, curiosamente, não acontecem quando a mulher está sozinha, mas diante da (impotente?) presença do marido ou companheiro, tem aumentado desde um primeiro acontecimento no qual a justiça determinou a impossibilidade de provar a culpabilidade da principal testemunha presencial (nesse e em quase todos os casos, o marido) por ocorrer em âmbito privado e ser muito difícil estabelecer se realmente o fato é atribuível a um acidente ou a um assassinato.
Toda essa manifesta agressividade masculina em relação à mulher não é uma consequência a mais das condições de vida contemporânea a que costumamos atribuir os males que nos rodeiam; mas, parece arraigar no mais profundo primitivismo humano. Desde o princípio dos tempos, privilegiar a morte tem sido um denominador comum de muitas culturas, não de outro modo se entende a exaltação do heroi, do guerreiro, do combatente encarnando sempre os valores do arrojo, da audácia, da valentia, da virilidade, da coragem, da intrepidez em função de que? Somente em função da morte, uma função reservada aos homens da tribo, do Estado, do império..., na qual as mulheres (ou suas equivalentes, as nórdicas ‘walkirias' ou as amazonas gregas) participaram só mitologicamente, partilhando, em suas condições de deusas, os campos de batalha.
Enquanto que a função de dar a vida, que foi conferida somente à mulher, foi secularmente subestimada e confinada ao rotineiro âmbito doméstico e sua importância diluída até quase desaparecer entre as pedestres tarefas cotidianas, das panelas e pratos, das chupetas, mamadeiras e cadernos escolares, produto de uma cultura certamente elaborada só por metade da humanidade. Meia humanidade que necessitou construir um imaginário de força, de vigor, de invencibilidade para dissimular talvez a frustrante sensação de esterilidade e de impotência provocada pelo mistério da gravidez e do parto, juntamente com a convicção de que são coisas às quais, apesar de sua força e de seu engenho, jamais poderia ter acesso.
Tudo isso parece ter raízes tão profundas que não só em nossa civilização judaico-cristã encontramos evidências certas e reiteradas de subestimação, de submissão, de menosprezo como reação ao temor que a mulher gera ao parecer dotada de "poderes" que escapam completamente ao arbítrio dos homens. Os estudos de antropologia têm demonstrado que é habitual em todas as culturas que os homens experimentem certo sentimento de inferioridade diante da capacidade procriadora da mulher; sentimento que tendem a reverter assumindo para com ela condutas prepotentes tildadas de menosprezo e humilhação. Um temor que também deve ter jogado um importante papel no julgamento e condenação das bruxas medievais.
Importantes e minuciosos estudos realizados nos códices maias e astecas põem em relevo que "O homem, em sua função de genitor, brilha por sua ausência. Se o nascimento por partenogênese de deuses tão importantes como Quetzalcóatl e Huitzilopochtli não deixa de reforçar a importância da figura materna pode suscitar também angústias e inquietações no seio de uma população masculina incapaz de legitimar agora a primazia do falo e, portanto, de seu poder".
Diz a antropóloga francesa Françoise Héritier que "não é o sexo, mas a fecundidade o que representa a verdadeira diferença entre o masculino e o feminino" e agrega Nicolas Balutet "que, na sociedade asteca, a fecundidade estava na base das angústias do homem. O rechaço às mulheres que expressam as crenças e as superstições vai além que o tabu relacionado com os fluidos menstruais e do parto". (La puesta en escena del miedo a la mujer fálica durante las fiestas aztecas" - Contribuciones desde Coatepec, UNAM, México).
De modo que, para terminar, pese aos grandes avanços alcançados pelas mulheres em matéria de igualdade de direitos nas sociedades contemporâneas, é evidente que nos resta ainda um longo caminho a percorrer para superar e remover tabus, usos e costumes que, não por atávicos e ancestrais estamos condenadas a suportar eternamente, Eles e nós devemos encontrar o modo de integrar nossas diferentes capacidades, de construir uma relação homem-mulher baseada no reconhecimento e na aceitação de nossas diferenças, capaz de afugentar os fantasmas desse passado que tem gerado e continua gerando tanta dor e para poder entoar, juntos, um canto à vida, que é o prodígio mais maravilhoso com que Deus ou a Criação nos honrou.

* Arquiteta argentina, editora do informativo semanal "El Grano de Arena", de ATTAC Internacional

 II.

PORTO RICO: 

Blogueiras dão início à Segunda Jornada pela não violência contra a mulher

mujerabstractaNatasha Pitts *
Neste mês de novembro, quando se celebra o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres, terá sequência em Porto Rico a "Segunda Jornada Blogueira: Não mais violência contra as mulheres". A iniciativa, desenvolvida pela primeira vez no ano passado pela Global Voices, estimulou centenas de mulheres a se manifestarem contra a violência de gênero.


Neste ano, o tema abordado e debatido será a análise da relação entre os meios de comunicação e a violência contra as mulheres. Desde já até o dia 20 de novembro, todas as porto-riquenhas são convidadas a compartilhar suas expressões, sejam elas em forma de poesia, conto, fotografias, colunas breves, desenho gráfico ou outras formas, para denunciar a violência machista contra as mulheres.
Para estimular a criatividade e criticidade feminina, algumas perguntas são lançadas: Como os meios tradicionais em Porto Rico cobrem os temas de gênero? Como se cobre especificamente a violência contra a mulher? Quais exemplos recordamos de boas coberturas (rigorosas, com perspectivas de gênero, sensíveis, que rompem com estereótipos)? Quais exemplos recordamos de coberturas deficientes (estereotipadas, machistas, sensacionalistas)? Como as feministas e blogueiras podem contribuir com uma melhor cobertura midiática da violência machista em PR? É possível provocar mudanças desde a virtualidade?
As criações devem ser enviadas até as 11h do sábado, 20 deste mês, para o e-mail nomasviolencia.mujeres.pr@gmail.com. Os trabalhos das porto-riquenhas serão postados em blogs como Mulheres em PR (http://mujeresenpr.blogspot.com/) e Poder, corpo e gênero (http://galindomalave.com).Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo.
Caso as interessadas em participar já tenham seu próprio blog e desejem publicar suas criações nele, a organização da Segunda Jornada Blogueira pede apenas que a participação na jornada e a existência das criações seja avisada antecipadamente por e-mail ( nomasviolencia.mujeres.pr@gmail.com).Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo.
O projeto da Jornada Blogueira faz parte das iniciativas da organização Global Voices, que pretende publicar e compilar as expressões sobre os tema da violência contra a mulher em blogs de Porto Rico.
Estes blogs por sua vez, estão unidos a outros blogs de feministas do mundo inteiro e de interessados na temática, e assim se fará uma corrente de luta, expressões, manifestações e informações pelo fim da violência de gênero. Ao final do recebimento de todas a expressões, os materiais serão unidos em um só endereço.
Primeira Jornada
A primeira Jornada Blogueira aconteceu no ano de 2009, a convite de Firuzeh Shookoh Valle, colaboradora do Global Voices. A intenção era convidar as porto-riquenhas a se manifestarem a respeito de todos os tipos de violência contra a mulher. A Jornada se transformou em uma enxurrada de manifestações políticas e artísticas, sendo uma oportunidade para as mulheres se expressarem sobre um problema que as afeta e precisa ser erradicado urgentemente em todo o mundo.
* Jornalista da Adital

II.
Por que não uma menina?
menina-chinesa
Cada vez é maior o número de chineses com recursos econômicos como Li Xiaoxue e seu marido, Dai Chunlin, que se propõem a driblar a política nacional de filho único para ter uma menina. "Se meu filho quiser ir trabalhar longe de casa, a menina poderá ficar e cuidar da gente", explicou Li, de 34 anos. O casal tem uma empresa de computação em Pequim e renda equivalente a US$ 75 mil ao ano, suficiente para se esquivar dessa política.
A lei prevê multa de acordo com a renda anual da família, que pode variar entre US$ 45 mil e até mais de US$ 100 mil. "É muito caro ter um homem, especialmente em grandes cidades como Pequim e Xangai. Temos de comprar-lhe pelo menos um apartamento, porque do contrário será difícil ele encontrar uma noiva", disse Li. O caso de Li e Dai não é o único. A preferência histórica pelo filho homem neste país causou um grande desequilíbrio de gênero. Porém, a situação começou a mudar nas cidades.
De 3.500 futuros pais entrevistados para um estudo feito em Xangai, em 2009, 15% disseram preferir uma menina e 12% um homem. Para o restante, era indiferente. Li tem muitas amigas que também querem meninas, pois estão conscientes de que o desequilíbrio de gênero se tornou perigoso. Para ela também parece antiquada a ideia de que as mulheres não podem fazer o mesmo que os homens. "As mulheres também podem herdar o negócio familiar. São tão capazes quanto os homens", afirmou.
São vários os fatores que explicam a mudança de atitude, segundo sociólogos e demógrafos. O grande crescimento econômico criou mais oportunidades para as mulheres, especialmente nas cidades. O aumento da renda acabou derrubando as razões tradicionais para preferir um menino, como a de que ganham mais dinheiro e são capazes de ajudar os pais idosos. Algumas pessoas, como Li, pensam que é muito caro criar um filho homem e que uma filha tem condições de cuidar delas dentro de alguns anos.
O desequilíbrio de gênero na China é crítico. Em 2005, nasceram 119 homens para 100 meninas. Em algumas regiões, esta proporção chegou a ser de 130/100. Os demógrafos consideram que a proporção adequada para manter um equilíbrio de gênero é de 105 homens para 100 meninas. Nas zonas rurais, a histórica preferência pelos homens gerou vários problemas sociais, como abortos seletivos, prostituição e tráfico de pessoas. Este país tem 32 milhões a mais de homens.
A mudança de atitude leva muitos especialistas a pensarem que a China pode seguir a mesma evolução da Coreia do Sul. O processo de transformação nesse país começou há 20 anos. Em 2006, nasceram 107,4 homens para cada 100 meninas, menos do que os 116,5 de 1990, segundo estudo feito em 2007 pelo Banco Mundial. As mudanças econômicas ocorridas na Coreia do Sul no final da década de 1980 criaram oportunidades para que as mulheres se integrassem ao mercado de trabalho e a ideia tradicional sobre seu papel na sociedade mudou.
Nos anos 1970, o governo lançou uma campanha a favor da igualdade de gênero e em 1987 proibiu os médicos de revelarem o sexo do feto. A China ainda tem um longo caminho pela frente. O desequilíbrio nos nascimentos é o problema demográfico mais grave, segundo estudo feito este ano pela estatal Academia Chinesa de Ciências Sociais. "Os abortos segundo o sexo do feto são extremamente comuns, especialmente em áreas rurais", diz a pesquisa. A Academia atribui a situação às três décadas de política de filho único e ao deficiente sistema de assistência social.
O desequilíbrio de gênero reduz as possibilidades de os homens de baixa renda encontrarem esposas, explicou Wang Guangzhou, um dos pesquisadores do estudo, segundo o jornal em inglês Global Times. "Para um camponês de 40 anos será mais difícil se casar, terá de depender mais da assistência social quando for idoso e carecer de renda", disse outro colaborador da pesquisa, Wang Yuesheng. Segundo a Comissão Nacional de População e Planejamento Familiar, o tráfico de mulheres e os sequestros são "endêmicos" em áreas com muitos homens.
A preferência pelo filho homem muda nas cidades, mas nas zonas rurais continua muito arraigada, disse Zheng Zhenzi, diretor do Instituto de Pesquisa sobre População na Academia de Ciências Sociais de Guangdong. A China avançou muito em matéria de igualdade de gênero, disse Zheng à IPS. Cada vez há mais mulheres em cargos administrativos e realizando estudos terciários. Além disso, são aprovadas leis para promover a igualdade, acrescentou. "A maioria das mulheres tem o mesmo status que seus maridos. Contudo, resta um longo caminho pela frente", ressaltou Zheng.  

Pequim-China-Envolverde/IPS(IPS/Envolverde)-ULF 

 III.

Mulheres Negras Lembrando Nossas Pioneiras


A luta das mulheres adquiriu diferentes perfis em nossa história dadas as diferenças de inserções sociais determinadas pelas origens raciais e étnicas das mulheres brasileiras. Em comum elas guardavam o desejo de liberdade. Para as brancas, a luta contra o jugo patriarcal; para as negras, a luta contra o jugo colonial, a escravidão e o racismo que lhe correspondeu. É de Luiza Mahin que vem um dos brados mais fortes. Inteligente e rebelde, sua casa tornou-se quartel general das principais revoltas negras que ocorreram em Salvador em meados do século XIX. Luiz Gama, seu filho, abolicionista, herdeiro de sua coragem e luta pela liberdade, escreveu sobre a mãe: ‘‘Sou filho natural de uma negra africana, livre, da nação nagô, de nome Luiza Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã''.

Eram dessa mesma têmpera as grandes Iyalorixás. Uma estirpe de notáveis lideranças religiosas em que se destacam Yya Nassô, Mãe Aninha, Mãe Menininha do Gantois, Mãe Senhora, entre outras. Mulheres negras que foram reverenciadas no livro A Cidade das Mulheres (1932), da antropóloga e pesquisadora norte-americana Ruth Landes, para quem a mulher negra ‘‘era no Brasil uma influência modernizadora e enobrecedora.

Economicamente, tanto na África como durante a escravidão no Brasil, contara consigo mesma e isso se combinava com a sua eminência no candomblé para dar um tom matriarcal à vida familiar entre os pobres. Era um desejável equilíbrio para o rude domínio dos homens em toda a vida latina. Observou que as mulheres do candomblé jamais se prostituíam, mesmo quando pobres. Que eram livres no amor, mas não o comercializavam. Eram seres humanos bem desenvolvidos na época em que o feminismo levantava a voz pela primeira vez no Brasil''.

A desumanização produzida pelo racismo e a escravidão não puderam sufocar a ânsia de conhecimento e de expressão de Maria Firmina dos Reis, maranhense de São Luís, bastarda e negra, nascida em 1825. É considerada a primeira romancista brasileira. Seu livro Úrsula é de 1859 e pode ser também considerado o primeiro romance abolicionista escrito por uma brasileira. Até hoje em Guimarães (MA), cidade em que floresceu, ‘‘a uma mulher inteligente e instruída chamam Maria Firmina''!

Respondendo ao mesmo chamado interior, manifesta-se Auta de Souza (1876-1901), nascida em Macaíba, Rio Grande do Norte, de família próspera. Versejando em português e francês, Auta passou a colaborar na melhor imprensa do seu estado antes de completar 20 anos. Seu livro O Horto, publicado em 1901, prefaciado por Olavo Bilac, foi elogiado pela crítica e lido com avidez tanto por intelectuais como pelo povo, que passou a repetir muitos de seus versos sob a forma de cantigas. Foi considerada por Otto Maria Carpeaux a mais alta expressão do nosso misticismo.
Há 70 anos as mulheres brasileiras conquistaram o direito do voto. Um marco na trajetória de luta pela eqüidade de gênero e ampliação do direito à participação política. Entre essas pioneiras, está Antonieta de Barros. Normalista, fundou em 1922 o curso ‘‘Antonieta de Barros'', com o objetivo de combater o analfabetismo, segundo ela, ‘‘impedimento de gente ser gente''. Também jornalista e escritora, foi a primeira mulher negra eleita para a Assembléia Legislativa de seu estado, Santa Catarina (1934-37), pelo Partido Liberal catarinense. 




Maria Brandão dos Reis, nascida na Chapada Diamantina em 1900, foi militante política do Partido Comunista por influência da Coluna Prestes. Teve destacada atuação na ‘‘Campanha da Paz'', organizada pelo PCB em 1950. Obteve o prêmio de Campeã da Paz, que lhe valeu o direito de ir a Moscou receber a Medalha da Paz. Isso não se deu porque foi preterida por um jovem intelectual, que ali se embriagou e caiu no rio Volga. Maria Brandão jamais perdoou o Partido Comunista pelo desrespeito e indiferença declarando:
Sou preta e ignorante, mas esse papelão eu não faria.


A essas mães ancestrais, Kolofé! Ka sun ni eró (durmam em paz). 
Luísa Mahin
(Mulher negra africana ) século XIX


Mulher negra africana nascida em Costa Mina, na África, que veio para a Bahia, no Brasil, como escrava e que se tornou líder da Revolta dos Malês (1835). Pertencia à nação nagô-jeje, da tribo Mahin, daí seu sobrenome, nação originária do Golfo do Benin, noroeste africano que no final do século XVIII foi dominada pelos muçulmanos, vindos do Oriente Médio. Tornou-se livre (1812) e sobreviveu trabalhando com quituteira em Salvador, Bahia, e dizia ter sido princesa na África. Participou de todos os levantes escravos que abalaram a Bahia nas primeiras décadas do século XIX, entre elas a Revolta dos Malês, a maior de todas as rebeliões de escravos ocorridas na Bahia. O movimento iniciou-se na noite de 24 para 25 de janeiro (1835), liderado por escravos africanos de religião muçulmana, que eram conhecidos na Bahia como malês. O dia foi escolhido propositalmente, pois enquanto os senhores celebravam no Bonfim, em Salvador, o dia de Nossa Senhora da Guia, os malês encerravam o Ramadã, mês de jejum dos muçulmanos. Cerca de 600 escravos e recém-libertos, por algumas horas tornaram-se senhores das ruas de Salvador, mas apesar dos comunicados entre revoltosos serem através de mensagens escritas em árabe e levante ter sido planejado cuidadosamente, os planos dos revoltosos foram revelados às forças da repressão e os líderes do movimento foram perseguidos e castigados brutalmente. Foram cerca de 70 mortos e 500 insurgentes punidos com penas de morte, prisão, açoites e deportação. A pretensa rainha conseguiu fugir para o Rio de Janeiro (1837), onde continuou a luta pela liberdade de seu povo até ser presa e desapareceu (1838), podendo ter sido deportada para a África.. Como negra africana, livre, da nação nagô, pagã, sempre recusou o batismo e a doutrina cristã, e um de seus filhos naturais tornou-se poeta e um dos maiores abolicionista do Brasil, Luís Gama (1830-1882), nascido em Salvador e morto em São Paulo. Por iniciativa do Coletivo de Mulheres Negras de São Paulo, seu nome foi dado (1985) a uma praça em Cruz das Almas, bairro da capital paulista. Academia Nacional de la Mujer .

Maria Brandão dos Reis
NEGRA E COMUNISTA
por JAIME SODRÉ*
Estávamos no Santo Antônio Além do Carmo, sentados à Rua dos Perdões, nas escadarias do Convento, onde segundo contavam, o cardeal Da Silva agredira uma freira. Um bairro cheio de estórias e histórias. Os Perdões é a passagem do desfile de 2 de Julho, onde saudávamos os nossos heróis, em especial, “os cabocos”. Subindo regularmente, ia dona Romana, nossa velha baiana de acarajé, em direção à Quitandinha do Capim, onde se instalava, após arremessar pequenos acarajés e água, a título de saldar os caminhos e abrir a venda. Naquela mesma artéria, em direção contrária, desfilava garbosa, semelhante à dona Romana, a personagem que conseguia calar as nossas conversas, admirados da sua postura, história e estórias, era dona Maria Brandão.
Em nossos ouvidos vibrava o que se contava sobre ela: “Ela é negra e comunista” ou “Imagine! Negra e comunista.” Para nós, uma figura admirável, soava-nos como símbolo de coragem, tão ao gosto da juventude. Pouco sabíamos sobre ela, além do rosto redondo e a sua roupa leve, aos ventos da liberdade, a caminho do Corta Braço. O pouco que sei, contarei. Relatos como o de Carlinhos Marighela, recomendando-me para aliviar a minha curiosidade, buscar o Sr. Contreiras, esposo da ex-deputada Amabília, além do ex-deputado Fernando Santana.
Contarei o que encontrei em publicações escassas. Seguirei pesquisando, prometo-me. Recordo das palavras de um militante negro que dizia, evidentemente magoado, sobre as agressões insanas da tortura, onde o que mais ouvira de seus algozes era a frase: “Já viu negro se meter em política, e ainda comunista.”
Voltemos a Maria Brandão. Encontro-me nas páginas do livro Mulheres Negras no Brasil, monumental trabalho de Shuma Schumaher & Érico Vital Brazil, uma foto exibe D. Maria, mãos ao queixo, pensativa. Mineira, nascida a 22 de julho de 1900, em Rio das Contas, por isso este artigo soa como presente de aniversário. Maria Brandão dos Reis, segundo os autores, “foi um exemplo de mulher negra envolvida na política”. Impressionou-lhe a passagem da Coluna Prestes, avivando o amor pelo Partido Comunista Brasileiro.
Idealista, mudou-se para Salvador como destacada liderança. Abrira uma pensão na Baixa dos Sapateiros, (daí o seu deslocamento pela Rua dos Perdões) onde, além de alimentar e hospedar estudantes, caprichava na instrução política destes “filhos adotivos”, ampliando-os para as questões sociais. Piedosa, ajudava aos necessitados. Em 1947, entrara em ação concreta, quando os moradores do Corta Braço foram ameaçados de perderem as suas casas. Ela os ajudou, organizando-os em uma vigília e vibrante passeata de protesto. Como devotada da paz, engajara na campanha do partido em 1950, encarregando-se da fundação de diversos conselhos em vários municípios. Por sua atitude determinante e incansável, recebeu a indicação de “Campeã da Paz”.
O lado dramático desta história registra-se em um desapontamento imperdoável. Segundo os autores, a premiação pelo seu feito e sua convicção pacificadora, deveria ser realizada em Moscou, onde D. Maria Brandão receberia pessoalmente e merecidamente, o reconhecimento pelo seu idealismo, mas por decisão do partido, ela fora substituída por uma “jovem intelectual”. Esta, nem se quer recusara, colaborando com esta desconsideração a uma “senhora negra” de jovens ideias e comprovadas lutas. Mas este fato não passara impune, pois manifestará veementemente a sua revolta frente às lideranças comunistas, registrando para a história desta agremiação política um capitulo menos digno.
Veio o golpe militar de 1964, D. Maria mobiliza-se para escapar da prisão, refugiando-se. De volta à Bahia, em 1965, fora alcançada pela polícia e submetida a interrogatório sobre o seu envolvimento com as ideias comunistas. O inquérito não evoluiu, talvez por reconhecê-la com um verdadeiro agente da paz e, que apenas, por sua generosidade, queria um povo feliz, bem alimentado e instruído, conforme demonstram as suas ações naquela pensão, para isso escolhera a política. D. Maria Brandão dos Reis, encerrara a sua atividade em nosso mundo em 1965, aguardando o nosso reconhecimento com o seu nome, quem sabe, nomeando uma das nossas ruas ou na fachada de uma escola.




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